quinta-feira, 5 de abril de 2007

Habeas Corpus

"Libertas quae sera tamem"

Tomo o meu corpo. Liberto. Dou, a mim, a possibilidade de ir para onde quiser e voltar quando bem entender. Sim, sou esse ser estranho com milhões de defeitos caros, que eu conservo como grandes jóias. Mas eu olho em volta e não tenho medo do mundo e não tenho medo de mim. Não temo mais os meus demônios guardados em caixinhas no armário. Eu posso ouvir o silêncio, a ausência, a falta e compreendê-los enfim. Ou não compreendê-los, sem deixar de aceitar que eles estarão sempre ali. Penso nos olhos que me vêem e não quero tranqüilizá-los. Fodam-se os que insistem em rechaçar os meus livros raros, o meu gosto desafinado, a felicidade em drágeas coloridas, os pequenos suicídios diários. Eles que olhem para mim e tentem desnudar minha cara, além dessas máscaras, ver minhas vísceras. Sim, eu sou tosca. Sou foda. Sou nada. E tenho tudo transbordando pelos poros. Eles que façam as pazes com as minhas coxas e as minhas estrias. Porque eu gosto delas. E gosto também das minhas olheiras de noites mal dormidas, dos meus cabelos brancos e cicatrizes pelo corpo. Eu gosto de tudo isso como gosto de mim. Chega de palavras inócuas. De discursos ocos. Não, eu não tenho explicações. Eu me concedo esse habeas corpus e decreto seu cumprimento a qualquer tempo e em qualquer instância, desde o princípio, agora e sempre. Amém.