sexta-feira, 18 de maio de 2012

We'll always have Paris





A célebre frase de Casablanca é uma lembrança, um momento e uma promessa. Ali, Paris é passado, presente e futuro que coexistem. É a duração. Presente que não pára de passar e passado que se conserva, que permanece, que não pára de ser e por onde todos os presentes passam. Contínuo heterogêneo. O presente, ou real, visto como um recorte do tempo não existe. Porque o tempo é duração e indivisível. E o presente quando percebido já é memória ou virtual, problematizado, sendo já passado, sendo já duração. O 'real' é aquilo que olhamos e ainda não sabemos ver. Mas quando soubermos ele já terá tanto de nós que não será mais o que as pessoas gostam de chamar de real. A percepção do tempo como uma estrutura homogênea e divisível não é mais que uma abstração social dentro dessa perspectiva. A tão falada linha do tempo é uma convenção, ou melhor, uma distorção. E aí chegamos afinal. Paris é uma invenção, uma criação e é eterno. Paris, imagem-tempo. Lembrança, momento e promessa. 
Here's looking at you kid!

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Aceito e agradeço!


Resgatei esse poema do Borges pra iluminar o dia.

outro poema dos dons

Jorge Luis Borges
(com tradução de Paulo Mendes Campos e grifo meu)

graças quero dar ao divino
labirinto de efeitos e causas
pela diversidade das criaturas
que formam este singular universo,
pela razão, que não deixará de sonhar
com um plano para o labirinto,
pela face de Helena e a perseverança de Ulisses,
pelo amor, que nos deixa ver os outros
como os vê a divindade,
pelo firme diamante e água solta,
pela álgebra, palácio de precisos cristais,
pelas místicas moedas de Ângelo Silésio,
por Schopenhauer,
que talvez decifrou o universo,
pelo fulgor do fogo,
que nenhum ser humano pode olhar sem assombro antigo,
pelo mogno, o cedro, o sândalo,
pelo pão e o sal,
pelo mistério da rosa
que prodigaliza cor e não a vê,
por certas vésperas e dias de 1955,
pelos duros tropeiros que na planície fustigam os animais e a alva,
pela manhã em Montevidéu,
pela arte da amizade,
pelo último dia de Sócrates,
pelas palavras que no crepúsculo disseram
de uma cruz a outra cruz,
por aquele sonho do Islã que abarcou
mil e uma noites,
por aquele outro sonho do inferno,
da torre do fogo que purifica
e das esferas gloriosas,
por Swedenborg,
que conversava com os anjos nas ruas de Londres.
pelos rios secretos e imemoriais
que convergem em mim,
pelo idioma que, há séculos, falei em Nortúmbria,
pela espada e a harpa dos saxônios,
pelo mar, que é um deserto resplandecente
e uma cifra de coisas que não sabemos
e um epitáfio dos vikings,
pela música verbal da Inglaterra,
pela música verbal da Alemanha, pelo ouro que reluz nos versos,
pelo inverno épico,
pelo nome de um livro que não li: Gesta Dei per Francos,
por Verlaine, inocente como os pássaros,
pelos prismas de cristal e o peso de bronze,
pelas raias do tigre,
pelas altas torres de São Francisco e da ilha de Manhattan,
pela manhã no Texas,
por aquele sevilhano que redigiu a Epístola Moral
e cujo nome, como ele houvera preferido, ignoramos,
por Sêneca e Lucano de Córdoba,
que antes do espanhol escreveram
toda a literatura espanhola,
pelo geométrico e bizarro xadrez,
pela tartaruga de Zenão e o mapa de Royce,
pelo odor medicinal do eucalipto,
pela linguagem, que pode simular a sabedoria,
pelo esquecimento, que anula ou modifica o passado,
pelo hábito,
que nos repete e nos confirma como um espelho,
pela manhã, que nos proporciona a ilusão de um começo,
pela noite, sua treva e sua astronomia,
pelo valor e a felicidade dos outros,
pela pátria, sentida nos jasmins
ou numa velha espada,
por Whitmann e Francisco de Assis, que já escreveram o poema,
pelo fato de que o poema é inesgotável
e se confunde com a soma das criaturas
e jamais chegará ao último verso
e varia segundo os homens,
por Francisco Haslam, que pediu perdão aos filhos
por morrer tão devagar,
pelos minutos que precedem o sono,
pelo sono e pela morte,
esses dois tesouros ocultos,
pelos íntimos dons que não enumero,
pela música, misteriosa forma do tempo.
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OTRO POEMA DE LOS DONES 
Gracias quiero dar al divino 
Laberinto de los efectos y de las causas 
Por la diversidad de las criaturas 
Que forman este singular universo, 
Por la razón, que no cesará de soñar 
Con un plano del laberinto, 
Por el rostro de Elena y la perseverancia de Ulises, 
Por el amor, que nos deja ver a los otros 
Como los ve la divinidad, 
Por el firme diamante y el agua suelta, 
Por el álgebra, palacio de precisos cristales, 
Por las místicas monedas de Ángel Silesio, 
Por Schopenhauer, 
Que acaso descifró el universo, 
Por el fulgor del fuego 
Que ningún ser humano puede mirar sin asombro antiguo, 
Por la caoba, el cedro y el sándalo, 
Por el pan y la sal, 
Por el misterio de la rosa 
Que prodiga color y que no lo ve, 
Por ciertas vísperas y días de 1955, 
Por loa duros troperos que en la llanura 
Arrean los animales y el alba, 
Por la mañana en Montevideo, 
Por el arte de la amistad, 
Por el último día de Sócrates, 
Por las palabras que en un cr epúsculo se dijeron 
De una cruz a otra cruz, 
Por aquel sueño del Islam que abarcó 
Mil y noches y una noche, 
Por aquel otro sueño del infierno, 
De la torre del fuego que purifica 
Y de las esferas gloriosas, 
Por Swedenborg, 
Que conversaba con los ángeles en las calles de Londres, 
Por los ríos secretos e inmemoriales 
Que convergen en mí, 
Por el idioma que, hace siglos, hablé en Nortumbria, 
Por la espada y el arpa de los sajones, 
Por el mar, que es un desierto resplandeciente 
Y una cifra de cosas que no sabemos 
Y un epitafio de los vikings, 
Por la música verbal de Inglaterra, 
Por la música verbal de Alemania, 
Por el oro, que relumbra en los versos, 
Por el épico invierno, 
Por el nombre de un libro que no he leído: 
Gesta Dei per Francos, 
Por Verlaine, inocente como los pájaros, 
Por el prisma de cristal y la pesa de bronce, 
Por las rayas del tigre, 
Por las altas torres de San Francisco y de la isla de Manhattan, 
Por la mañana en Texas, 
Por aquel sevillano que redactó la Epístola Moral 
Y cuyo nombre, como él hubiera preferido, ignoramos, 
Por Séneca y Lucano, de Córdoba, 
Que antes del español escribieron 
Toda la literatura española,
Por el geométrico y bizarro ajedrez, 
Por la tortuga de Zenón y el mapa de Royce, 
Por el olor medicinal de los eucaliptos, 
Por el lenguaje, que puede simular la sabiduría, 
Por el olvido, que anula o modifica el pasado, 
Por la costumbre, 
Que nos repite y nos confirma como un espejo, 
Por la mañana, que nos depara la ilusión de un principio, 
Por la noche, su tiniebla y su astronomía, 
Por el valor y la felicidad de los otros, 
Por la patria, sentida en los jazmines 
O en una vieja espada, 
Por Whitman y Francisco de Asís, que ya escribieron el poema, 
Por el hecho de que el poema es inagotable 
Y se confunde con la suma de las criaturas 
Y no llegará jamás al último verso 
Y varía según los hombres, 
Por Frances Haslam, que pidió perdón a sus hijos 
Por morir tan despacio, 
Por los minutos que preceden al sueño, 
Por el sueño y la muerte, 
Esos dos tesoros ocultos, 
Por los íntimos dones que no enumer o, 
Por la música, misteriosa forma del tiempo.

Toda mudança deveria começar com uma caixa de livros


Encaixotar é como rever, selecionar, classificar e guardar lembranças. E mesmo que rapidamente, devemos abrir, folhear e reler alguns trechos. Reacomodar as palavras e pensamentos. Escolher o que vai, o que fica esperando seu retorno e do que você pode abrir mão definitivamente. Mudar é, de uma forma ou de outra, um exercício de desapego. Acredito que deveríamos mudar mais, muito mais. Talvez devêssemos mudar todos os anos, meses, dias. Esse mesmo processo que vai produzir sua primeira caixa de livros, vai se repetir com todas as outras coisas, concretas ou abstratas. É como se aos poucos você fosse soltando os sacos de areia que te prendem ao chão.
Saiba que sua missão não é só encaixotar coisas mas sim tentar compreender o que é essencial para o movimento e o que é apenas acessório. É também aceitar que talvez muito do que ficará, não fará mais sentido no seu retorno. Mas sua missão mais importante mesmo é saber abrir mão do que não é mais necessário. 
Atente-se para o fato de que nem tudo que não é mais necessário é ruim, nocivo, supérfluo ou inócuo. Há o que você pode deixar ir simplesmente porque já foi absorvido, já faz parte daquilo que você carregará sem peso pela vida afora. E talvez esse entendimento seja o maior benefício das mudanças.

quarta-feira, 16 de maio de 2012